sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Tudo o que eu não tenho

Tudo o que eu não tenho é muito pouco
Me diz um homem na TV, ou às vezes uma mulher
Me dizem que dormir no chão faz mal pra coluna
Me dizem que não ter onde tomar banho faz mal pra pele
Me dizem que morar na rua maltrata os cabelos
Me dizem que não ter dignidade leva a depressão
Me dizem que não ter o que comer cria rugas de expressão
Me dizem que não ter com quem falar leva ao vicio e insanidade
Me dizem que eu não ter ocupação não é mais culpa do governo
Me dizem já a uns anos que não faço parte da sociedade
Me dizem um monte de coisas que não querem dizer nada

Me negam moedas e me negam o pão
Danem-se, dancem macacos
E vão para a igreja, e dirigem carros potentes
E fazem sexo e criam animais de estimação
E almoçam no domingo e cuidam das crianças
Estudam, trabalham, envelhecem e morrem
Eu sou velho também, também gosto de sexo
Também tenho um animal de estimação
Um cachorro feio chamado Pitoco
Ele me lambe as mãos e dividimos o lixo
Digo, alimento

Me disseram certa vez, que fumar crack mata
E eu pensei comigo: “mas mata quem?”
Me disseram também que alcoolismo destrói famílias
E eu pensei comigo: “mas que família?”
Pra ser honesto, sinto mais pena dessa gente que vive enjaulada
Eu deito no asfalto na alta madrugada
Pensando: “pra que(m) serve teu conhecimento?”
“pra onde vai todo esse teu dinheiro?”
E não to nem ai pra quase nada
Por que tudo o que eu não tenho, é muito pouco.
...

3 comentários:

juliana b. disse...

três corpos de texto
cruelmente perfeitos
uma realidade completamente insana
verdadeira fotografia urbana

Gustavo disse...

Bah, me deu um arrepau no pio. Sério cara, esse me tocou. Pra mim foi o teu melhor até agora. pode crer.

Tablito disse...

Logo de cara, nas primeiras vezes que abro esse blog, uma sacudida assim. Valeu por lembrar o que já tinha esquecido, estamos sobre a corda bamba e só não vê isso quem não quer.