quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Ai meu porto

Cancer, libra, sagitario
Uma elipse sem exatidão alguma
Uma coisa que faz a gente
Se sentir Deus
Faz nadar fora do aquario
Hi-five, cerveja
E uma erva que...
Que esqueci...
Quem sabe deixei
Por ai
...
(Pra amiga Maria Joana)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Aquário

Tem os olhos verdes
E as vezes cinza,
E fala bem baixo
É altamente elástico
Não come nada que tenha:
Olhos, alma ou sangue correndo nas veias
Não bebe (muito) ou fuma (cigarros)
Cócegas e camisas furadas
Tem a família levemente trágica
Trágica como a minha,
Um pouco mais quem sabe
E me manda embora
Pra eu não ter que
Brigar na rua pela madrugada
Ele tem um casaco (flanela)
Que eu uso o dia inteiro
É o filho do Zé do porto
E gosta de tudo o que é bom
Chico & Renato
Mora perto dos trilhos do trem
E por uma semana talvez
Ele pertence a mim,
E eu pertenço a ele.
As pupilas dilatam e
Os narizes se encaixam
E é suor e um quadro branco
Cheio de desenhos abstratos
E mil pedaços de madeira & concreto
Um universo dentro de um quarto
um universo do qual às vezes
Ele me fala
E do qual eu faço parte também
Às vezes
...
(Pro Pablito)

satoleP

Acordar pela manhã
Na casa murada de madeira
Uma torre de louça & roupas & camas
Chutando um gato umbilical
Que se aninha nos meus pés
Bêbados ambulantes
Café solúvel italiano ou irlandês
Um palheiro matinal
E quando tudo esta em ordem
Eu sento diante da janela
E alguém me convida pra caminhar
Bebo um café ou cerveja aquariana
Falando de Fellini, Zapata
Chinasky e kurosawa
E essa gente toda que eu não conheço
Tocando um blues caminhante
Numa piscina japonesa
De flores de cerejeira
Os carros param
E no quadrado todo mundo olha
Pra gang do chapéu
Fumando cigarrilhas a beira rio
Bossa e rock inglês
Pôr do sol e resoluções cósmidas
Adivinhando signos imaginarios
E lhes atribuindo mil caracteristicas bizarras
É decididamente uma cidade felina
Um porto longe do meu porto
Pra onde eu vou e volto
Levando comigo mil coisas
Que tem aqui e não tem lá
Tem lá mas não tem aqui
Mochileiro galáctico
Com os bolsos cheios de sonhos
Dançando capoeira
Numa roda anarquista
Cheia de malabaristas e atores pernetas
...

Escorpião

Ele acorda e da um sorriso
E tem um universo inteiro de coisas
Que eu quase nunca entendo
Ele é um guri, que nem eu
Um guri que usa flanela e calças rasgadas
Um guri que anda de cabeça pra baixo
Ele é dele, e eu sou meu
E é meu melhor animigo
Porque a gente briga,
Briga muito
E nem isso nem nada
Faz a menor diferença
Nada disso é verso ou poema
É um réquiem, trilha sonora
Do sonho de um velho safado
Quem sabe um viajante
Miller entenderia, Kerouac também
Caminhando estrada a fora
Pequeno e maciço
Encontrando encanto
Em escombros abandonados
E se eu peço do jeito certo
Ele ouve Queen
E diz que "gosta de mim"
E que eu já sei disso
Mas eu gosto de ouvir
Por que não posso dizer
Eu gosto de ficar deitado só
Enquanto ele detona punk e magoa
Quarto & casa a fora
Chamam ele de maluco - diariamente
E ele caminha até Córdoba
Pra escapar de algum demônio asteca
Que faz ele ser estúpido e explodir
Quando eu falo algo que quebre a regra
"Regra?"
...
(Pro amigo Henrique Wopala)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Auto-retrato

Um bolo de adjetivos, não afinados,
Ritmados ou metrificados
Sarcástico, muito importante
Sardônico, nada empático,
Levemente destoante, vermelho, escarlate
Discretamente berrante
Alto, branco, castanho, encaracolado
Seco, veloz e pesado
Algo engraçado, algo poético
Desigual por todos os lados
Um abalo sísmico, bem pequeno
Tremor essencial, distímia, insônia
Alcoolismo, tabagismo... Café
Onírico e simpático
Justo e nada moderado
Cachorros de rua
E quese fodam os gatos
Músicas e relações místicas com a lua
Ateísmo cego e astrologia pura
Energia, Marte e Júpiter
E um martelo
Temperado por um pó
Branco e granulado
Ou comprimidos esfarelados
Ou inteiros... Ou os dois

...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Tudo o que eu não tenho

Tudo o que eu não tenho é muito pouco
Me diz um homem na TV, ou às vezes uma mulher
Me dizem que dormir no chão faz mal pra coluna
Me dizem que não ter onde tomar banho faz mal pra pele
Me dizem que morar na rua maltrata os cabelos
Me dizem que não ter dignidade leva a depressão
Me dizem que não ter o que comer cria rugas de expressão
Me dizem que não ter com quem falar leva ao vicio e insanidade
Me dizem que eu não ter ocupação não é mais culpa do governo
Me dizem já a uns anos que não faço parte da sociedade
Me dizem um monte de coisas que não querem dizer nada

Me negam moedas e me negam o pão
Danem-se, dancem macacos
E vão para a igreja, e dirigem carros potentes
E fazem sexo e criam animais de estimação
E almoçam no domingo e cuidam das crianças
Estudam, trabalham, envelhecem e morrem
Eu sou velho também, também gosto de sexo
Também tenho um animal de estimação
Um cachorro feio chamado Pitoco
Ele me lambe as mãos e dividimos o lixo
Digo, alimento

Me disseram certa vez, que fumar crack mata
E eu pensei comigo: “mas mata quem?”
Me disseram também que alcoolismo destrói famílias
E eu pensei comigo: “mas que família?”
Pra ser honesto, sinto mais pena dessa gente que vive enjaulada
Eu deito no asfalto na alta madrugada
Pensando: “pra que(m) serve teu conhecimento?”
“pra onde vai todo esse teu dinheiro?”
E não to nem ai pra quase nada
Por que tudo o que eu não tenho, é muito pouco.
...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Retrato II

Um homem caminha rápido pela calçada
Desviando-se das pessoas no caminho
Andar marcial, rígido e preciso como uma máquina
Um terno preto abotoado na altura da barriga
Gravata vermelha, apertada contra a garganta
Sapatos pretos, muito bem engraxados
Gordo, porém elegante e impecável
Ele sua sob o sol de Setembro
O cenho franzido sob os cabelos loiros ralos
Olhos azuis claros, com raias vermelhas inchadas,
Fugindo da claridade intermitente
Ele carrega uma pasta lustrosa marrom
Exala um odor de perfume importado
Hálito de uísque e cigarro
Um totem de poder urbano
Carranca de bicho homem

...

Retrato I

Um guri caminhando pelo meio da rua
Jeans rasgados nas barras, azuis desbotados
Contrastando com o negro do asfalto
Cabelos crespos mal cuidados cobrindo os olhos
Castanhos escuro, enterrados no chão
Perdidos numa miríade alcoólica
De mil quadros flácidos recortados
Uma garrafa de plástico na mão esquerda
Cachaça barata, pela metade
Dos lábios que sangram, pende um cigarro
Filtro vermelho, quebrado e apagado
Ele descreve um ângulo variável
Enquanto se equilibra de um pé para o outro
Uma argola de metal fosco serve de adorno a orelha
Não há carros, ou pessoas
Só o eco dos passos
E as luzes alaranjadas dos postes
Incendiando o concreto das calçadas

...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Distopia Urbanoide

Concreto, concreto, fumaça
Loja, carro, calçada
Ciclovia, buzina, sinal, parada
Gente, muita gente olhando pro nada
Paracetamol, café, cigarro
Banca de jornal, boteco, academia
Escritórios de contabilidade e advocacia
Curso rápido de inglês, alemão ou administração
Dinheiro, mendigo, mais fumaça
Ruas fedendo a mijo, crianças bem arrumadas
Gente triste amontoada no ônibus que passa
Gente triste e cansada, olhando pro nada
Concreto, concreto, ainda mais fumaça
Passa despercebida a moça da loja, o moço da banca
O motorista do carro, o cobrador,
O gari, a guria sentada, a senhora com as sacolas
Ninguém vê nada, não da tempo
Correndo em desespero atrás de dinheiro
Mais dinheiro, mais coisas pra dentro de casa
Passar a vida correndo do nada pro nada
Não há céu, nem lua, nem grama
O sol nunca se põe, ou nasce
É substituido por um sol de neon
E não da tempo, não há tempo
Concreto... concreto... fumaça
...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Micro-cosmo

Tenho uma casa onde o sol se põe
E outra onde o sol nasce
Uma é povoada por mulheres
Mães, avós, sobrinhas
Esta sempre limpa
Com comida apitando nas panelas
Cheia de chás, santos de gesso e mistérios
A outra é povoada por homens
Pais, avós, primos
Esta sempre a beira do caos
Cheia de bebidas, cigarros e livros
Mulheres simpaticas que flutuam
De cômodo em cômodo tirando o pó
E depois evanescem como areia das mãos
Eu vejo o nascer do sol, deitado numa poltrona
Diante da porta escancarada
Enquanto o mundo dorme
E parto em jornada, bucando o horizonte
Assisto o por do sol
Sentado nas escadas, minhas escadas
E ambos os universos
Colidem em mim
Como em uma fabula
...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ralo abaixo

Teu olho verde, cor da inveja
Tua risada, ausencia de palavras
Quando te calo com uma frase afiada
Tua habilidade mistica de fingir
Que nada aconteceu, noite passada
Teus depoimentos vagos
Noites mal dormidas
Promessas e afagos
Correndo ralo abaixo
Como sangue coagulado
Semem e sujeira, água imunda
É noite outra vez
E tu me diz que não me quer
E eu te digo que não importa
Que nunca importou
E num átimo, meu universo se parte
E construo outro no lugar
Um em que tua presença
É no máximo irrelevante
...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

"Falsto"

Meu riso de escárnio
Rosas brancas, tingidas de escarlate
Num jardim de plástico
Tudo é falso, não há compaixão
Teu irmão, quer tua miséria
Tua felicidade incomoda, arde!
Todo sorriso teu será censurado
O monstro verde da inveja te olha
Com os olhos opacos, anuviados
Reza às parcas que te vigiem
Reza por malogro e desespero
Quer-te nos braços,
Afundar contigo no abismo
Solidão é a cura pra todo infortúnio
Teus amores te detestam
Tua jarra secou
Até o vinho te abandona
Só te resta a noite
E esse líquido que escorre
Devagar... tão devagar...
...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Ornitorrinco Zen

Estendido sobre a cama
Um universo de resoluções apocalipticas
Se espalha por todo o tecido áspero
Macro cosmos de infinitas possibilidades
O cerebro queima como fogueira
Explodindo mil idéias fúteis
No caminho da verdade velada
Escondida nas luas distantes do subconsciente
Inerte, se deixa mesclar ao ambiente
Reconhecendo as deixas e contratos tácitos
Secretos e tão óbvios
Dentro dos companheiros de quarto
Camaleão tecnicolor
Cuspindo farpas nos jalecos higienizados
Olhando ao redor: porta, janela e sacada
Perdido no labirinto do Fauno
À espera do inesperado, inevitavel
Crisalida de espelhos
Análise pontiaguda dos nichos internos
Rasgando pele e osso
Na busca da palavra que liberta
Titã gentis, fragil como o exoesqueleto
Da mais leve borboleta
Tão leve, flutua de si
Nas páginas de um livro
Nos jardins da memória
Afundando entre peixes carnivoros
...
(A um verme)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Lexotan 6mg

Gato preto e branco
Andando pela casa inteira
Quase sem quebrar nada
Aniquilando os intrusos
Os fiosinhos sedutores
E do nada tu me acorda
As cinco da madrugada
Come essa porra de salsicha
Para de comer meus livros;
canetas; cartas; fotos; convidados
Fascinada pela caixinha fedida
E ronrona, e se roça
E senta na minha cara
Só não franze o cenho nem nada
...
(para Joy a gata e o amigo farmaceutico)

Mães de escorpião

E bate os pés pela casa
Rugindo feito um trovão
E conta todo o dinheiro
E pega o recibo na mão
Eu fico esperando passar a ventania
De qualquer forma
Pouco resolveria
Chorar de raiva ou gritar de volta
E, se demora um pouco
Tentando arrancar sangue
- Tu não vai ser nada na vida
Mas depois que a gente ouve isso
Com uma certa frequencia
Se torna questão de paciencia
Como lidar com uma cabrita enraivecida
...
(para Daniela Weber)

Virgin Suicides

Cleopatra deitada
Seu firme rabo, aponta a janela,
Suas meias molhadas
revelam o apuro dela
E os cabeludos contracenam como extras
Um ensaio inexato,
Exaspera-se: -Em Caxias ta cheio de macho
Mas que bagunça
Ta tudo desorganizado
E meu Deus, minhas lentes de contato
Gente, que vinho ruim
Não. Não querido, tu ta errado
E eu bebo, e rio, e falo o Diabo
Só pra chorar longe do meu quarto
Por que né, é bom variar o ambiente
...
(para Jessie Gabriela)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O porteiro do plaza

Destruiram a métrica
Em algum lugar
Um velhinho soturno se vangloria
De ter matado toda a poesia
Não vende, ninguém lê
Ninguém se importa
É bacana de se ter num diario
Mas e daí né
Sou o porteiro do plaza
Que escreve poemas sujos
Sobre gente rica
Que entra e sai o tempo todo
...
(para Kauan Negri)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Capital

Meu porto de águas turvas
Tão distante de outros portos
Teu sol, que é só teu aos domingos
Teus pedintes orgulhosos
Teus poetas bebados e maltrapilhos
As praças pesadas e cheias de histórias
Deserto de asfalto nas madrugadas
Luzes sinuosas, janelas iluminadas
Esse céu pesado, chumbo e aço do outono
De quando em quando se abre
E banha de azul e dourado
Teu rio, que é mar e tempestade
Nas noites longas de suplício
Dor e delícia enclausurada
Solidão pre-planejada
Apartametos tão cheios de vazio
Meu porto de águas turvas
Meu triste porto
...

Rompimento

Me perco nos olhos vagos
Dos bebados atirados pelos quartos,
Uns sobre os outros,
Uma grande célula libertária,
Flanando no plasma atemporal,
Sintético e áspero que compõe a noite,
Unica e indivisivel,
Cheia de cenas "noir", nuances,
Memórias, cigarros.
Eu me perco dentro de mim
E te encontro. Esqueço o que eu sou,
E o que tu deixa de ser quando
Por uma palavra
Tudo desaba.
Bebo eu, bebe tu.
Quero de volta cada silencio
...
(para Henrique Wopala)

domingo, 20 de junho de 2010

Água Oxigenada

São tres cores distintas
Um rapaz muito simpatico
Definitivamente simpatico
Simpatético e cheio de pele,
Ossos, unhas, dentes, pelos,
Roupas e idéias, idéias simpaticas
Olhando e pensando: "daonde
diabos saiu esse cara cheio de
frases de impacto bem encaixadas
entre os hiatos." E eu olho pra
Ele e penso: "nada."
Cazuza seria bem mais enfatico,
Definitivamente mais piegas e
Mais simpatico. Simpatético.
A água oxignada borbulha agora
Sobre os cortes que eu fiz noite passada
Eu olho e penso: "estúpido."
E acendo um cigarro.
...

Três cores distintas

Eu não sei pra que serve
Nem de onde vem
Nem pra onde vai
Schoppenhauer também não sabia
É qualquer espécie de entidade onipotente
Que existe simplesmente
É matéria negra, uma coisa muito louca
Ninguém nunca viu
Um astro maluco que fica lá
Existindo sem dar bola pra nada
Todo mundo sabe que ta lá
Tem gente que não entende muito bem
Mas não da pra culpar essa gente
O conceito todo é mesmo muito abstrato
E inutil, infinitamente inutil
Tem gente que se diz influenciar
Por essa coisa, que ta lá
E eu digo "lá", simplesmente,
Por que ela não ta aqui nem nada
Ou talvez até esteja
Vai saber
É um grande mistério
Eu nunca vi também
pra falar bem a verdade
Nem sei mesmo se ela ta "lá"
Se não estiver também
Pouco importa
Por qualquer motivo estúpido
Eu prefiro pensar que ela ta lá
E vai ficar lá não importa o que aconteça.
E são tres cores distintas
Como a bandeira da Alemanha
Simples assim
...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Tormenta

Queimei as fotos
Arranquei as portas
Rasguei as roupas
Matei os cães
Acendi um cigarro
Sentado no telhado
Calculando o angulo perfeito
Pra partir meu crânio em mil pedaços
...

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Fenix de couro

São promessas partidas
O peito arfando em agonia
Falta de ar fatalmente planejada
Miasmas e monstros cirurgicos
Dançando sob um céu pesado
Cravejado de anjos caídos
Em tons de cinza e laranja metalico
Armas apontadas, barricadas
Barreiras intransponiveis
Trespassadas por palavras
O circo retorna a cidade
Com os arlequins doentes
Soprando fogo pelas narinas
É a idade do ouro e da prata
De novo e de novo, retorno ao nada
A velhice é um fantasma, cheio de dedos e traumas
Não tem idade e ataca pelas costas
É um vulto escuro de fumaça
E morro pouco a pouco
Por vontade e necessidade
Pra sentir a vida se esvair
Num corrego de pixe negro
Que me brota dos punhos
E minha conciencia navega ilesa
Aqueronte devora minha carne
Duas moedas de cobre
Duas pilulas brancas de alegria
Paraísos artificiais estáticos
Enterraram o demonio do tormento numa cova rasa
E ele retorna a superficie gargalhando e batendo as asas
Com a vóz do trovão e a carne lascerada
Ele ama a dor alheia e dela se alimenta
E cospe palavras ácidas e silencios afiados como navalha
...

quinta-feira, 25 de março de 2010

Um futuro sem quimeras

Eu me sentei em frente a ela, ficamos em silencio um minuto
simplesmente olhando um pro outro, em meio a fumaça branca do café
ela quebrou o silencio com o riscar de um fósforo, tragando o cigarro.
Eu tinha parado de fumar há tempo, mas pedi um cigarro,
lembrei subtamente da mesma cena se passando a alguns anos atrás,
quando eu era só um guri amargo e cheio de sonhos inexcrutáveis
e ela uma mulher madura reconstruindo uma vida cheia de tropeços.
Ascendi e senti a fumaça abrindo velhos caminhos, ativando velhas sinapses.
Café quente pra lavar o gosto do tabaco. Ela falou afinal, e eu falei em seguida,
começamos ambos a falar de coisas remotas
e a rir de coração aberto como nunca antes.
Era uma amizade sincera e cheia de sinceridades. Ela não se casara de novo,
e eu nunca me rendera a arapuca, ela andava pesquisando uns textos antiquissimos,
lemos alguns juntos, algum poeta francês, não recordo o nome naturalmente,
ele não era o assunto, nós eramos o assunto. Ela me falou do meu livro, e eu do dela,
jogamos tarot, e quando me dei conta já passavam das quatro da manhã.
Fomos para a cobertura, eu ascendi um baseado
guardado herméticamente para a ocasião,
falamos de amores, falei que tinha conhecido um cara em Viena,
que fizemos amor e que jamais tornariamos a nos ver, como mágica.
Ela me falou que estava em fase de grandes descobertas
com um homem gentil e inteligente,
que não pensavam em se casar ou morar juntos, e que se amavam incondicionalmente.
Ela me falou que o filho já cursava a faculdade, que era um rapaz feliz e bem sucedido,
e que estava perdidamente apaixonado pelos livros,
e por uma moça um pouco mais velha,
numa ordem oscilante de intensidades.
O sol começava a apontar seus chifres dourados no horizonte,
e eu partiria novamente dentro de poucas horas.
E eu não partiria de alma leve sem saber que, por aqui o sol também nasceu.
Sem ter a esperança de que toda aquela
briga do passado tivesse dado frutos para o presente
e que mesmo aqueles amigos que se perderam no caminho
tenham encontrado um futuro sem quimeras.
...


;) Dani chan

quinta-feira, 18 de março de 2010

Meus Amores

Meus amores, a meus amores
Essa fumaça azulada que cruza o quarto
E a luz do sol que atravessa a vidraça
Como um feixe metalico e dourado
Eu deito estático em reverencia a teu corpo deitado
Meu copo cheio, meus olhos vagos
Traçando uma linha em algum lugar inalcançavel
Tu dorme, eu mergulho
E o som da tua respiração é música sem compaço
Um sonho que te tira do mundo
Bebo um gole, ele desce e arde
Transpiro a fumaça
Silencio precede o silencio
Estou só, só com meus amores
Quando tu acordar, já terão ido embora,
Como amantes na madrugada
...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Lista

Vou contar até três
desaparecer por um ano
olhar tudo de longe
observar as nuances se formando
os casais se separando por irrelevancias
as traições e as brigas de rua
vou ver como se grita com quem se ama
descobrir o motivo por traz de todo e qualquer suicidio
fazer uma lista cheia de observações vorazes
precisas e inuteis
pra entender o sentido por traz de toda insensatez
catalogar catedraticamente todos os enganos
voltar são dessa jornada insana
fazer tudo dar certo, pelo menos uma vez
Fogos de artificio, voando como relampago
mil cores distantes explodindo
...

sábado, 13 de março de 2010

Homeopatia emocional

Tu é o extremo da bondade
eu as vezes me sinto
como um intruso em ti
por que sou grande e desajeitado
fico me batendo nas quinas da vida
e tu me entende, e me quer bem
mesmo eu sendo uma pilha de más escolhas
eu me esforço pra ser bom
e pra deixar tudo aquilo
aquele lixo acumulado por anos
numa gaveta bem fechada
escondida em algum lugar
e eu te vejo confiar em mim
com teus olhos enormes e transparentes
sinto até medo de te deixar triste
por que é isso que eu faço
deixar todo mundo triste
mas quem sabe tu não me ensina
a fazer de um jeito diferente
quem sabe tu me cura de todo esse cinismo
que o mundo me enfiou garganta a baixo
quem sabe bem devagar
uma dose por dia dessa bondade desmedida
não cura aos poucos essa chaga
que se recusa a fechar
...
(Ao amigo Luiz Massamiti)

Distímia

tem coisas a teu respeito que eu ignoro
eu tento sempre te tratar da melhor maneira possivel
e as vezes quando me escapa um grito
e tu fica acoado e triste de verdade
eu me sinto fraco, doente
e essa é a sintese do que eu sou
doença, demasiado humano
eu gosto de estar contigo
as vezes penso que ta tudo ao contrario
e quase deixo tudo de lado
eu vou sabotando aos poucos
essa sensação boa e simples
não tem muito o que fazer
eu vou esperar até que
esse gorfo de bestialidade
exploda bem em cima do teu rosto
e esquecer que só te olhar bem de perto
faz tudo parecer tão certo
e que meu mundo quebra quando tu soluça
vou esquecer de como é te apertar bem forte
e fazer todo esse tempo não ter significado nada

...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Intermitencias da morte

Eu recuo nessa nevoa cinzenta
e o céu é breu e micropontos de luz imaginaria
é o passado, e agora que retorno
nada me parece muito importante
dessa massa desconjunta e sem cor que é a vida, a minha vida
não consigo extrair uma onça de sentido
sequer aprendi com meus erros
levo só uma vaga sensação de ter deixado algo incompleto.
E só, mais nada
Olhei as fotografias todas, uma a uma
quase uma centena delas e não vi nada.
todos esses amigos, tantos e sempre tão essenciais
por terem sido parte daquilo
aqueles olhos que eu olhava com carinho
agora são só sorrisos congelados
num papel plastificado
micropontos imaginarios de luz
sei que toda a vez que os olhar vão estar ali
Prossigo por uma estrada lodosa e escorregadia
ainda recuo, então não prossigo
retrocedo e faço mesuras para os vultos
eles não tem rosto, estão todos calados
negros como fumaça, estranhos e esquivos
não posso toca-los, e eles não podem tocar-me tampouco
o que me é permitido é dar-lhes nomes
citar lugares, mas vão permanecer o que são,
com nomes e em lugares, em algum lugar da minha memória
"quem me é caro esta morto", penso.
E imagino, não fossem as fotografias
esse limbo interno pulsante e escuro
seria composto de vacuo e vazio e do nada
e eu não teria nomes ou lugares para dar aos meus vultos
e eles seriam também vacuo e vazio e nada
eu deito só e minha consciencia escapa
a racionalidade não é a mesma, não é tão apurada
é fraca e indolente, dobravel, mutavel
eu vejo um homem sentado ao pé da minha cama
ele me põe moedas nos olhos, e chora baixinho
e eu sigo. Retrocedo... alguém me acompanha.
...