quinta-feira, 25 de março de 2010

Um futuro sem quimeras

Eu me sentei em frente a ela, ficamos em silencio um minuto
simplesmente olhando um pro outro, em meio a fumaça branca do café
ela quebrou o silencio com o riscar de um fósforo, tragando o cigarro.
Eu tinha parado de fumar há tempo, mas pedi um cigarro,
lembrei subtamente da mesma cena se passando a alguns anos atrás,
quando eu era só um guri amargo e cheio de sonhos inexcrutáveis
e ela uma mulher madura reconstruindo uma vida cheia de tropeços.
Ascendi e senti a fumaça abrindo velhos caminhos, ativando velhas sinapses.
Café quente pra lavar o gosto do tabaco. Ela falou afinal, e eu falei em seguida,
começamos ambos a falar de coisas remotas
e a rir de coração aberto como nunca antes.
Era uma amizade sincera e cheia de sinceridades. Ela não se casara de novo,
e eu nunca me rendera a arapuca, ela andava pesquisando uns textos antiquissimos,
lemos alguns juntos, algum poeta francês, não recordo o nome naturalmente,
ele não era o assunto, nós eramos o assunto. Ela me falou do meu livro, e eu do dela,
jogamos tarot, e quando me dei conta já passavam das quatro da manhã.
Fomos para a cobertura, eu ascendi um baseado
guardado herméticamente para a ocasião,
falamos de amores, falei que tinha conhecido um cara em Viena,
que fizemos amor e que jamais tornariamos a nos ver, como mágica.
Ela me falou que estava em fase de grandes descobertas
com um homem gentil e inteligente,
que não pensavam em se casar ou morar juntos, e que se amavam incondicionalmente.
Ela me falou que o filho já cursava a faculdade, que era um rapaz feliz e bem sucedido,
e que estava perdidamente apaixonado pelos livros,
e por uma moça um pouco mais velha,
numa ordem oscilante de intensidades.
O sol começava a apontar seus chifres dourados no horizonte,
e eu partiria novamente dentro de poucas horas.
E eu não partiria de alma leve sem saber que, por aqui o sol também nasceu.
Sem ter a esperança de que toda aquela
briga do passado tivesse dado frutos para o presente
e que mesmo aqueles amigos que se perderam no caminho
tenham encontrado um futuro sem quimeras.
...


;) Dani chan

quinta-feira, 18 de março de 2010

Meus Amores

Meus amores, a meus amores
Essa fumaça azulada que cruza o quarto
E a luz do sol que atravessa a vidraça
Como um feixe metalico e dourado
Eu deito estático em reverencia a teu corpo deitado
Meu copo cheio, meus olhos vagos
Traçando uma linha em algum lugar inalcançavel
Tu dorme, eu mergulho
E o som da tua respiração é música sem compaço
Um sonho que te tira do mundo
Bebo um gole, ele desce e arde
Transpiro a fumaça
Silencio precede o silencio
Estou só, só com meus amores
Quando tu acordar, já terão ido embora,
Como amantes na madrugada
...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Lista

Vou contar até três
desaparecer por um ano
olhar tudo de longe
observar as nuances se formando
os casais se separando por irrelevancias
as traições e as brigas de rua
vou ver como se grita com quem se ama
descobrir o motivo por traz de todo e qualquer suicidio
fazer uma lista cheia de observações vorazes
precisas e inuteis
pra entender o sentido por traz de toda insensatez
catalogar catedraticamente todos os enganos
voltar são dessa jornada insana
fazer tudo dar certo, pelo menos uma vez
Fogos de artificio, voando como relampago
mil cores distantes explodindo
...

sábado, 13 de março de 2010

Homeopatia emocional

Tu é o extremo da bondade
eu as vezes me sinto
como um intruso em ti
por que sou grande e desajeitado
fico me batendo nas quinas da vida
e tu me entende, e me quer bem
mesmo eu sendo uma pilha de más escolhas
eu me esforço pra ser bom
e pra deixar tudo aquilo
aquele lixo acumulado por anos
numa gaveta bem fechada
escondida em algum lugar
e eu te vejo confiar em mim
com teus olhos enormes e transparentes
sinto até medo de te deixar triste
por que é isso que eu faço
deixar todo mundo triste
mas quem sabe tu não me ensina
a fazer de um jeito diferente
quem sabe tu me cura de todo esse cinismo
que o mundo me enfiou garganta a baixo
quem sabe bem devagar
uma dose por dia dessa bondade desmedida
não cura aos poucos essa chaga
que se recusa a fechar
...
(Ao amigo Luiz Massamiti)

Distímia

tem coisas a teu respeito que eu ignoro
eu tento sempre te tratar da melhor maneira possivel
e as vezes quando me escapa um grito
e tu fica acoado e triste de verdade
eu me sinto fraco, doente
e essa é a sintese do que eu sou
doença, demasiado humano
eu gosto de estar contigo
as vezes penso que ta tudo ao contrario
e quase deixo tudo de lado
eu vou sabotando aos poucos
essa sensação boa e simples
não tem muito o que fazer
eu vou esperar até que
esse gorfo de bestialidade
exploda bem em cima do teu rosto
e esquecer que só te olhar bem de perto
faz tudo parecer tão certo
e que meu mundo quebra quando tu soluça
vou esquecer de como é te apertar bem forte
e fazer todo esse tempo não ter significado nada

...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Intermitencias da morte

Eu recuo nessa nevoa cinzenta
e o céu é breu e micropontos de luz imaginaria
é o passado, e agora que retorno
nada me parece muito importante
dessa massa desconjunta e sem cor que é a vida, a minha vida
não consigo extrair uma onça de sentido
sequer aprendi com meus erros
levo só uma vaga sensação de ter deixado algo incompleto.
E só, mais nada
Olhei as fotografias todas, uma a uma
quase uma centena delas e não vi nada.
todos esses amigos, tantos e sempre tão essenciais
por terem sido parte daquilo
aqueles olhos que eu olhava com carinho
agora são só sorrisos congelados
num papel plastificado
micropontos imaginarios de luz
sei que toda a vez que os olhar vão estar ali
Prossigo por uma estrada lodosa e escorregadia
ainda recuo, então não prossigo
retrocedo e faço mesuras para os vultos
eles não tem rosto, estão todos calados
negros como fumaça, estranhos e esquivos
não posso toca-los, e eles não podem tocar-me tampouco
o que me é permitido é dar-lhes nomes
citar lugares, mas vão permanecer o que são,
com nomes e em lugares, em algum lugar da minha memória
"quem me é caro esta morto", penso.
E imagino, não fossem as fotografias
esse limbo interno pulsante e escuro
seria composto de vacuo e vazio e do nada
e eu não teria nomes ou lugares para dar aos meus vultos
e eles seriam também vacuo e vazio e nada
eu deito só e minha consciencia escapa
a racionalidade não é a mesma, não é tão apurada
é fraca e indolente, dobravel, mutavel
eu vejo um homem sentado ao pé da minha cama
ele me põe moedas nos olhos, e chora baixinho
e eu sigo. Retrocedo... alguém me acompanha.
...